DINHEIRO – Percebemos mais interesse, hoje, por educação para os negócios no Brasil do que no passado. Como o IMD avalia essa demanda?
DOMINIQUE TURPIN – Temos mais clientes brasileiros atualmente do que há cinco anos. O número de empresas, como Vale, Suzano e Odebrecht, aumentou. Oferecemos oportunidade de desenvolver talentos globais. Mais do que as escolas locais de vocês, como Fundação Getulio Vargas ou Fundação Dom Cabral, nós trabalhamos essa leitura da globalização. Veja, a cúpula das empresas no Brasil não tem muitos estrangeiros. A matriz da Nestlé, por outro lado, na Suíça, tem 20 pessoas de nacionalidades diferentes na cúpula. Nós damos essa perspectiva global, que é única.
DINHEIRO – O sr. acha que as empresas brasileiras devem desenvolver mais essa visão global?
TURPIN – Definitivamente. É interessante que, quando você olha para os países do BRICs, você vê que o Brasil é o país mais vulnerável.
DINHEIRO – Por quê?
TURPIN – Porque na Índia, na China e na Rússia as empresas são muito mais protegidas pelos respectivos governos. É difícil para os estrangeiros adquirir companhias nesses países. O Brasil é uma economia muito mais aberta. E um dos atrativos do País são seus recursos naturais. O preço desses recursos está crescendo, o que deixa todos os brasileiros felizes, mas o que vocês não entendem totalmente é que exportam muitos bens para a China, justamente o país que mais está investindo no Brasil. Mas o que eles fazem é importar seus recursos naturais, transformá-los e vendê-los de volta para vocês mesmos. Sem mudanças, os brasileiros poderão ficar sempre na categoria de baixo valor agregado. Algumas companhias, como as do setor farmacêutico ou a indústria de transformação no Brasil, não são muito fortes. E isso pode ser, de certa forma, perigoso. Porque, assim, suas empresas podem ser adquiridas facilmente por empresas estrangeiras.
DINHEIRO – Que outros riscos o sr. identifica?
TURPIN – Vocês têm boas companhias, como a Natura, de cosméticos, por exemplo. A maioria das empresas de cosméticos na Europa, no Japão e nos Estados Unidos não está crescendo em seus mercados domésticos. Assim, um target natural para companhias como L’Oréal ou Shiseido é ir aonde está a oportunidade de crescimento no mundo, ou seja, em países como o Brasil.
DINHEIRO – O sr. está tocando num ponto sensível da nossa economia...
TURPIN – Sim, mas no ranking de competitividade do IMD, que inclui 59 países, o Brasil é o 44º, atrás de Peru e Colômbia. Isso está longe de ser fantástico. Filipinas está na frente, Tailândia também. A competitividade do Brasil não é forte como deveria ser.
DINHEIRO – Se temos uma economia tão aberta e um governo sem uma estratégia clara de proteção, como as empresas podem se proteger?
TURPIN – Hoje, as empresas dão grande ênfase ao mercado doméstico. Sim, há muitas oportunidades em “casa”, mas é preciso olhar para fora. Há foco demais em exportar commodities.
DINHEIRO – Ou seja, se o governo focasse mais na indústria, poderíamos ter mais exportações de valor agregado?
TURPIN – Mas é claro. O Brasil é um continente. E o comércio exterior não é muito valorizado. Uma das razões é o fato de muitos CEOs e executivos da cúpula não terem muita experiência internacional. Vocês não têm muitos talentos com esse perfil. E o que é uma experiência global? Pessoas com uma mente excepcionalmente aberta, sensíveis a outras culturas, capazes de trabalhar com todo tipo de pessoas, com uma curiosidade intrínseca, poliglotas e cosmopolitas. O futuro pertence às pessoas focadas em decisões globais.
DINHEIRO – Há algum exemplo de empresa ou produto brasileiro bem-sucedido?
TURPIN – Sim, as Havaianas! Como um produto tão simples como aquele pode estar em prateleiras do mundo todo, em Nova York, na Austrália, em Cingapura? Se vocês deram essa projeção a algo tão simples, podem fazer o mesmo com muitos outros produtos. Não é uma questão de “sermos bons nisso ou naquilo”. As empresas brasileiras deveriam focar em uns poucos produtos e tentar expandir-se globalmente. É o que Índia e China estão fazendo. E precisam de profissionais que tenham a ambição de ir além do Brasil. Isso está acontecendo também com a construtora Camargo Corrêa, que está se expandindo pelo mundo todo. Provavelmente, quando alguém disse que iria vender as Havaianas para o mundo, pensaram que essa pessoa fosse um louco. Mas o fez. A ambição global é muito importante.
Gôndola da sandália Havaianas em loja de Nova York
DINHEIRO – E além da ambição?
TURPIN – A diversidade é importante nas companhias, assim como ter pessoas de várias nacionalidades no topo. É muito importante investir em educação executiva, não só voltada para o Brasil ou para as Américas, mas com vistas para o mundo.
DINHEIRO – Há dez anos, os executivos ouviam esse diagnóstico, concordavam, mas não havia mudança na prática. Hoje, as empresas sentem a pressão real com a forte entrada de importados. O governo, inclusive, aumentou o IPI dos carros importados para proteger a indústria nacional.
TURPIN – Essa é uma resposta muito fácil. Tornar-se protecionista desse modo não é sustentável. O melhor para fazer suas empresas competitivas é encorajá-las a sair do Brasil. A Tigre, de tubos e conexões, está no México, no Uruguai, na Argentina, portanto, é um exemplo de empresa com ambição global. E aí temos a Embraer, as empresas de alimentos... Claro que é mais simples vender seus produtos em capitais como Brasília, Fortaleza, Florianópolis, porque todos falam a mesma língua. É da natureza humana, as pessoas preferem buscar o caminho mais fácil, em vez do mais difícil. Fazer negócios nos Estados Unidos é, evidentemente, mais difícil. Porque ninguém lá está esperando de braços abertos um brasileiro chegar, eles vão lutar contra.
Fábrica em São Paulo da empresa de tubos Tigre
DINHEIRO – O Brasil está na moda hoje, ou não?
TURPIN – Não é moda. Diria que, finalmente, o Brasil está se tornando um competidor. Quando lembramos da frase atribuída ao general Charles De Gaulle, de que “o Brasil não é um país sério”, vemos que isso ficou no passado. O Brasil está se tornando um país sério. Temos de dar crédito ao ex-presidente Lula por fazer o Brasil acontecer, porque lembro que, quando ele foi eleito, muita gente dizia que ele só duraria seis meses no cargo. Ele tem muitos defeitos, é claro, mas tornou o Brasil um enorme sucesso econômico e foi extremamente pragmático. É o perfil que vocês precisam na Presidência.
DINHEIRO – O que o sr. acha da presidente Dilma?
TURPIN – Não tenho como julgá-la por estar tão longe, mas o que ouço dos líderes empresariais do Brasil é que ela também tem um perfil pragmático. E isso é importante. Havia uma distância gigantesca entre ricos e pobres. Vocês precisavam de alguém como Dilma ou Lula, ligados ao socialismo, para dividir os recursos com todos. Isso é pragmatismo. Agora, vocês precisam dar liberdade a executivos de negócios para criar valor, e não alimentar a burocracia. Tudo é uma questão de equilíbrio. Uma economia totalmente livre é ruim, podemos ver isso nos Estados Unidos. A China também é muito fechada.
DINHEIRO – Hoje as empresas globais brasileiras têm grande apoio do BNDES, o que gera muitas críticas, no sentido de que esse banco estatal teria seus “eleitos”. Para ser global é preciso ter apoio governamental com crédito barato?
TURPIN – Não, se você tem bons produtos e bons profissionais trabalhando e boa tecnologia, você não precisa depender de apoio de governo.
DINHEIRO – Em que outras empresas o sr. enxerga o potencial das Havaianas?
TURPIN – A própria Natura. Tem um grande potencial global. Um dos fatores-chaves para o sucesso nos negócios é ter uma diferenciação, algo que a Natura tem. Se você não tem, você não pode brigar em preço, não dá para brigar com os chineses. Você precisa criar um valor para o consumidor, que é tornar seu produto mais confiável, mais fácil de usar, mais barato ou melhor.
DINHEIRO – Quais áreas, por exemplo, têm esse potencial?
TURPIN – Todas! Produtos farmacêuticos para os pobres, infraestrutura, desenvolvimento de bons produtos para substituir importados da China, muitas coisas podem ser feitas. E isso não depende do governo. Ele só tem de garantir o ambiente certo, economia e políticas estáveis.
DINHEIRO – O processo para chegar a um equilíbrio entre o modelo focado em commodities e o de maior valor agregado é de longo prazo, não? E as mudanças são necessárias agora...
TURPIN – Sim, mas esse processo já começou, e isso é uma boa notícia. Ou não haveria tanto investimento estrangeiro indo para o Brasil.