Com uma fortuna estimada em mais de US$ 7 bilhões, o americano Jim Goodnight, 69 anos, é um dos dez empresários de tecnologia mais ricos do mundo. Fundador do SAS Institute, empresa que desenvolve software para análise de dados, seu nome não provoca fortes reações quando é citado. Ao contrário de seus pares do mundo dos bits e bytes, Goodnight não é afeito aos refletores. Seu rosto não é conhecido como o de Bill Gates, da Microsoft. Tampouco é performático como o CEO da Oracle, Larry Ellison, adepto de esportes radicais. E está longe de exibir o carisma do fundador da Apple, Steve Jobs, que morreu no ano passado.
Engana-se, no entanto, quem o considere um empresário sem influência na área de tecnologia. Goodnight, por exemplo, serviu de fonte de inspiração para vários empreendedores desse mercado, como Larry Page e Sergey Brin, criadores do Google. Os dois introduziram na sede da buscadora, em Mountain View, na Califórnia, um estilo de trabalho que mais se assemelha ao de um campus universitário, exatamente o que fizera a SAS Institute nos anos 1980. Os prognósticos de Goodnight para a empresa de seus pupilos, contudo, não são nada animadores. Para o empresário, o Google, assim como a Microsoft, está perdido e não consegue mais inovar.
Segundo ele, a falta de criatividade, somada a políticas que considera equivocadas adotadas pelo governo americano, classificado de “socialista”, poderá levar os Estados Unidos a perder o posto de nação mais inovadora do mundo. Em passagem por São Paulo, dias atrás, Goodnight conversou com a DINHEIRO. “Na China, na Índia e no Brasil a população está cada vez mais interessada em matemática e outras ciências”, afirma. Por isso, segundo Goodnight, a próxima grande quebra de paradigma pode vir dos mercados emergentes.
DINHEIRO – O sr. é conhecido como o homem que inspirou o Google...
JIM GOODNIGHT – Apenas mostrei a eles a melhor maneira de tratar os funcionários. Somos uma empresa muito boa para se trabalhar.
DINHEIRO – Como o sr. vê o futuro das empresas de tecnologia, em especial a Microsoft e o Google?
GOODNIGHT – Acredito que a Microsoft se perdeu. A revista Vanity Fair publicou um artigo, recentemente, sobre o método de avaliação de desempenho dos funcionários adotado pela empresa. Esse tipo de análise é complicado. Por mais que você tenha os melhores funcionários, alguns vão acabar entre os 10% menos eficientes. Com isso, as pessoas se preocupam mais em agradar aos chefes, para não ficar nas últimas posições do ranking, do que com novas ideias. Já o Google continua buscando a próxima grande inovação. O problema é que sua primeira grande ideia é tão fantástica que pode nunca ser superada. Vender palavras é um negócio muito bom. Nesse processo, eles adquiriram a divisão de celulares da Motorola. Foi uma grande surpresa para mim. Era uma área da companhia com muitos problemas. É o tipo de decisão que um CEO não tomaria se tivesse analisado melhor os riscos.
DINHEIRO – Os Estados Unidos sempre tiveram uma posição de liderança em pesquisa e desenvolvimento e inovação. Mas hoje estão surgindo novas forças, como a China, que têm investido muito na área. O sr. acredita que os americanos podem perder essa liderança?
GOODNIGHT – Sim. Estou muito preocupado com o que acontece nos Estados Unidos. Não estamos mais conseguindo fazer com que nossas crianças se interessem pela ciência. Na China, na Índia e no Brasil, ao contrário, a população está cada vez mais interessada em matemática e outras ciências. É daí que vem a inovação. Nosso governo tem feito um péssimo trabalho nesse sentido. Não há motivo para estudar. Se você não arruma um emprego, pode se beneficiar das políticas de bem-estar. Muitos dos nossos jovens acabam escolhendo esse caminho. Essa é uma das armadilhas de um governo socialista.
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos
DINHEIRO – Qual é o atual estágio do Brasil em termos de adoção de tecnologia?
GOODNIGHT – Vejo que nossos clientes brasileiros estão utilizando as mesmas tecnologias dos nossos clientes em outras partes do mundo. Não há mais nenhum atraso. Existe uma boa infraestrutura de conectividade também. Acredito que as empresas brasileiras estão mais competitivas, atualmente.
DINHEIRO – As empresas nunca tiveram acesso a tantas informações, como hoje. O que fazer para tirar proveito dessa realidade?
GOODNIGHT – Há uma grande quantidade de dados. Mas não basta ter as informações, é preciso saber como utilizá-las para obter algum retorno. E isso demanda pessoas e ferramentas certas. Sempre lidamos com grandes quantidades de dados. Mas antes existiam alguns obstáculos que nos impediam de analisar tudo. Com as novas tecnologias, todos os obstáculos foram superados.
DINHEIRO – Que obstáculos são esses?
GOODNIGHT – Basicamente, tempo. Antes não era possível obter informações úteis de grandes bases de dados porque não havia tempo para processá-las. O que podemos fazer, atualmente, é dividir esse trabalho entre vários computadores, utilizando um ambiente de rede. Com isso, nossa capacidade de processamento aumentou muito, em comparação ao que tínhamos há poucos anos. É uma grande quebra de paradigma para a indústria de tecnologia. Hoje, uma análise que demoraria 18 horas para ser feita, utilizando um único processador, pode ser completada em 15 minutos.
DINHEIRO – Mas é preciso ter vários computadores para fazer isso. O custo não é muito alto?
GOODNIGHT – Na verdade, não. Empresas como a Intel desenvolveram processadores que possuem vários núcleos. Cada um deles atua como se fosse um computador independente. É como se dentro de um único chip existissem vários computadores. Não é muito complicado ter esse tipo de tecnologia em casa. E é relativamente barato. Os chips e processadores estão se tornando commodities. Quando a gente fala em um computador com mil processadores, por exemplo, as pessoas pensam em milhões de dólares. Na verdade, estamos falando de algo em torno de US$ 13 mil. É bastante acessível. Outra possibilidade é utilizar o modelo de computação em nuvem.
Fábrica da Foxconn na China
DINHEIRO – Trata-se de uma grande mudança na indústria de tecnologia. O que vai acontecer com as grandes empresas de hardware, como Dell e HP?
GOODNIGHT – Bem, eles vão continuar vendendo essas commodities em caixas grandes e caras com seus nomes impressos. Não importa o fabricante, Dell, HP, IBM, Fujitsu. Nem o preço. No fundo, todas as máquinas são iguais e fabricadas na China. Possivelmente pela Foxconn.
DINHEIRO – Uma das grandes concorrentes do SAS Institute, a Oracle, no entanto, tem uma estratégia diferente. Ela aposta na venda conjunta de hardware e software como uma forma de reduzir os custos e a complexidade da tecnologia. Como o SAS pretende competir com ela, sendo apenas uma empresa de software?
GOODNIGHT – Nossa posição é muito confortável. A Oracle fez diversas aquisições no passado e precisa encontrar uma maneira de ganhar dinheiro com isso. A solução que bolou foi colocar tudo dentro de uma mesma caixa. Não acho que serão bem-sucedidos nessa estratégia. Eles querem fazer de tudo e sozinhos. Nós, ao contrário, fazemos apenas uma coisa e bem. Não nos importamos com o hardware. Estamos trabalhando, inclusive, para que nossos softwares possam ser instalados nos computadores vendidos pela Oracle. E ainda tem um monte de gente que prefere marcas como HP e Dell.
DINHEIRO – E quais resultados podem ser obtidos com os softwares de análise?
GOODNIGHT – As empresas podem prever os riscos antes de fazer grandes mudanças estratégicas, por exemplo. Normalmente, as companhias realizam transações durante o dia inteiro. À noite, os gestores olham para algumas decisões ruins que tomaram e tentam descobrir maneiras de proteger seus negócios. Seria mais fácil se pudessem conhecer os riscos de antemão, para não tomar as decisões erradas.
DINHEIRO – Podemos prever o futuro?
GOODNIGHT – É possível saber o que pode acontecer no futuro. Podemos prever quais consumidores você vai perder nos próximos três meses. Quem pode aceitar, ou recusar, determinada oferta. Também podemos determinar qual o melhor preço a ser cobrado.
DINHEIRO – O que muda no mercado com a computação em nuvem?
GOODNIGHT – Podemos oferecer nossos softwares no modelo de computação em nuvem. Mas o que temos notado é que poucas empresas estão interessadas nisso. Nossos clientes querem ter tudo dentro de casa, ou, no máximo, que a gente fique responsável pela infraestrutura de hardware. Por isso, nosso negócio de hospedagem tem crescido de forma acelerada. Por ora, no entanto, não vejo muitas oportunidades nesse modelo.
DINHEIRO – Hoje, as pessoas também carregam seus dados por todos os lugares, em tablets e smartphones. Como isso afeta o seu negócio?
GOODNIGHT – Nunca fui muito fã desse lance de mobilidade. As telas dos smartphones são muito pequenas, não dá para fazer muita coisa com eles. Os tablets, no entanto, trazem uma nova perspectiva. Por isso, estamos acelerando nossos trabalhos nessa área. Muitos executivos e empresários ficaram animados com essa história e correram para comprar seus iPads e similares. Agora, esse pessoal está cansado de jogar Angry Birds e quer fazer algo produtivo com seus equipamentos. Por isso, estamos investindo para oferecer a eles algo que possam utilizar para trabalhar.