domingo, 1 de dezembro de 2013

Luxo made in China

Com loja no coração de Paris, marca Shang Xia - que pertence à francesa Hermès - mostra que nem só de imitações baratas vive o design do segmento de luxo chinês

Quem se arrisca a entrar na loja térrea que fica no número 8 da rue de Sèvres, em um dos prédios mais charmosos de Paris, sofre duas surpresas instantâneas. A primeira, positiva, é se deparar com 70 m² de uma sofisticação discreta, projeto do arquiteto japonês Kenzo Kuma, e um ambiente aromatizado com uma suave fragrância de chá. Ali se vende desde móveis e utensílios de casa a roupas e joias. A segunda surpresa é descobrir que tudo o que está exposto é made in China. Calma, antes de franzir a testa e entortar o nariz, saiba que a Shang Xia, o nome da marca que é dona da loja, faz produtos de excelente qualidade – e originais – há cinco anos. 
 
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Desafio: primeira loja da marca no Exterior foi aberta em Paris, para testar a curiosidade dos europeus
 
De tão qualificada, a marca teve 90% da empresa comprada pela maison francesa Hermès, pela quantia de US$ 13,3 milhões. A grife foi a responsável por abrir a primeira loja da agregada chinesa no Exterior. E logo onde? Na Meca do luxo global, justamente onde franzir a testa e torcer o nariz para qualquer coisa que não seja francesa é très chic. A ousadia aconteceu em setembro. A Shang Xia tem faturamento anual na casa dos US$ 10 milhões, mas o próprio CEO da Hermès, Patrick Thomas, declarou enxergar a aquisição mais como uma reserva de valor e da herança cultural chinesa do que como um grande negócio.
 
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Tradição: roupas de seda e xícaras de porcelana evocam o trabalho milenar dos artesãos chineses
 
“Queremos crescer devagar”, afirmou Jiang Qiong Er, diretora artística e dona dos outros 10% da empresa. O endereço no descolado bairro de Saint-Germain-des-Prés é o terceiro da marca. Pequim e Xangai sediam as duas primeiras lojas. Esse movimento de mercado, onde conglomerados europeus compram marcas chinesas, tem seus pioneiros. Em 2012, a Kering adquiriu a marca de joias Qeelin. O grupo suíço Richemond incorporou a etiqueta de moda Shanghai Tang e a gigante L’Oréal pagou, em agosto passado, US$ 840 milhões pela fabricante de máscaras faciais Magic Holdings. 
 
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Aposta: Patrick Thomas, da Hermès, pagou US$ 10 milhões na marca
dirigida por Jiang Qiong Er
 
O teste da Hermès é, agora, não só apresentar a marca aos franceses, mas convencer a turba de turistas chineses em Paris a comprar produtos feitos “em casa”. Entre os destaques nas prateleiras, joias feitas com jade, roupas de seda, móveis de laca vermelha e jogos de chá em porcelana que chegam a custar US$ 5 mil. Tudo feito por antigos artesãos chineses, que resgatam o design e a manufatura do país, valores esquecidos a partir da Revolução Comunista, em 1949. “Na (loja da) China, até os oficiais do Partido Comunista se dizem felizes por termos redescoberto a tradição da manufatura no país”, disse Jiang Qiong Er.
 
 
Vai um Cairtier aí?
 
Enquanto a Shang Xia tenta romper a má fama dos produtos chineses e aceita o desafio de abrir sua primeira loja internacional exatamente em Paris, o Wanda Plaza Square, em Shenyang, mostra que esse branding de imagem será uma tarefa árdua. Ali tudo, absolutamente tudo, é réplica. Uma cópia da promenade parisiense foi construída no shopping a céu aberto, com uma sucessão cômica de lojas pelo calçadão. Logo de cara, tem a Herwès Paris (foto acima). Sim, isso mesmo, um fake da francesa Hermès. E depois, o que vem? Cnanel, Tiffeany&Co. e Cairtier, desse jeito, com os nomes incorretos, mas a logotipia idêntica à das marcas que as inspiraram. Nas vitrines, bolsas, relógios, sapatos, vestidos, ternos, joias, tudo falso! 
 
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Até na hora da sobremesa, o sorvete é da Häagen Dezs e o café, Starbocks. Que tal? Uma das responsáveis pelo marketing do shopping garantiu, em entrevista a um jornal local, que a imitação nas fachadas das lojas serve apenas para atrair os clientes. Lá dentro, os produtos em nada teriam a ver com réplicas de seus originais. Esse ápice do consumo do que é cópia na cultura chinesa tem seus similares em outros setores, como no turismo. Em 2012, o governo da cidade de Huizhou gastou o equivalente a US$ 9,5 milhões para construir uma versão, de gosto duvidoso, de Hallstatt, vilarejo que é ponto turístico na Áustria, por conta de seus lagos e do casario antigo. E não é que teve chinês que fez questão de ir conhecer e posar para fotos diante do lago que, afinal, era artificial?

Os novos sotaques do luxo no Brasil

Nº EDIÇÃO: 842 | 29.NOV.13 - 20:30 | Atualizado em 30.Nov.13 - 16:38

Com marcas como Burberry e Prada, Shopping RioMar, em Recife, é exemplo da regionalização do setor de luxo no País

por Fabiano Mazzei
O ano de 2013 ficará marcado na trajetória do mercado de luxo brasileiro como aquele em que o setor ganhou novos sotaques. Antes concentrado fortemente no eixo Rio-São Paulo, o segmento neste ano se consolidou em outras praias. Um processo de regionalização que colocou, no radar das maisons e empresas internacionais, capitais de norte a sul do País. A conta é simples. Some o maior poder de compra conquistado nos últimos anos pela classe média e um maior número de brasileiros embarcando para o Exterior e, voilà, temos um consumidor com mais referências e um cartão de crédito para pagar a perder de vista. 
 
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Para ilustrar, para agradar à patroa agora só com uma bela bolsa Louis Vuitton – de preferência, parcelada em dez vezes no cartão, sem juros. O que fez a indústria do luxo global, então? Passou a mirar o seu canhão de novidades para as regiões do Brasil onde a turma está com dinheiro no bolso, mas que antes precisava se deslocar até São Paulo para ter acesso às grifes. Do outro lado, o empresariado percebeu que o encontro entre a fome por um sapato Prada e a vontade de comer com os olhos um colar da Tiffany&Co estava prestes a acontecer – e criou cenários favoráveis para essa cultura se desenvolver. Leia-se shopping centers. Em Recife, por exemplo, o RioMar, que fez um ano de vida em outubro, surpreendeu ao abrir suas portas com uma Burberry dentro. 
 
Ôxi, que ousadia! Fortaleza ganhou um RioMar também, do mesmo grupo pernambucano JCPM. Brasília já contava com um Iguatemi, dos Jereissati de São Paulo. Em Belo Horizonte, a valorização do bairro de Lourdes, com suas lojas de rua, chama a atenção dos executivos. E, no sul, a grande novidade do ano é o Pátio Batel, com um line-up de lojas sofisticado que já conquistou clientes até de fora do Estado. Em Balneário Camboriú (SC), por exemplo, uma operadora de turismo deve lançar ainda este ano um pacote para compras no Batel. Um transfer de helicóptero entre as duas cidades para atender à demanda das endinheiradas locais. O drama vai ser informar às damas o limite de peso da bagagem da volta. 
 
E tem ainda as praças no interior dos estados. No Rio, Macaé e Niterói. Em São Paulo, Ribeirão Preto e Campinas. Segura que a peãozada do agronegócio chegou com tudo! No setor hoteleiro, o fenômeno é parecido. O primeiro resort Four Seasons no País, adivinhe, não será em nenhum balneário badalado, mas na praia do Paiva, a 15 km de Recife. Colaboraram para a escolha os preços hiperinflacionados do mercado imobiliário do Sudeste e a grande carência de áreas bem localizadas disponíveis nas costas do Rio e de São Paulo. Em recente painel apresentado pelo empresário e consultor Carlos Ferreirinha, do Instituto MCF, na capital paulista, ficou claro que a regionalização é uma alternativa de crescimento interessante para as marcas que investirem nessas cidades. 
 
São essas novas frentes que sustentarão a expansão desse mercado interno que, em 2013, cresceu 12%. O que será o fiel dessa balança, então? A capacidade de adaptação das grifes em compreender os Brasis dentro do Brasil. A começar pelas diferenças de clima e de cultura entre as regiões. A mesma roupa vendida como sexy para uma compradora no Norte-Nordeste pode não funcionar no corpo das sulistas. E vender sapatos de couro para quem vai de chinelo até em restaurante estrelado vai ser complicado também. De toda forma, os novos sotaques no setor são bem-vindos. Revela um mercado mais maduro, gerando novo consumo, mais emprego, mais dinheiro na economia. Tem coisa melhor, sô?

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