"O Brasil tem de criar uma geração de empreendedores"
Os países emergentes vão responder por 93% da chamada classe C até 2030, quando este grupo somará 1,15 bilhão de pessoas
Por Carla JIMENEZ
Os países emergentes vão responder por 93% da chamada classe C até 2030, quando este grupo somará 1,15 bilhão de pessoas. O desafio dessas nações, como o Brasil, é investir em educação e criar uma geração de empreendedores para sustentar a nova força econômica global, diz o professor Tamer Cavusgil, que coordena o Instituto de Negócios Internacionais, na Georgia State University, no Estado da Geórgia, nos Estados Unidos. “O Brasil é um dos emergentes que mais fizeram progressos no mundo, com a redução da pobreza e uma robusta geração de empregos”, disse ele à DINHEIRO. “Agora é preciso trabalhar para criar uma nova geração de empreendedores”, afirma o professor. Cavusgil estará no Brasil no mês de outubro, em São Paulo, para falar dos desafios da internacionalização dos negócios diante deste novo consumidor que surgiu com força nos mercados emergentes.
DINHEIRO – Qual é a sua avaliação sobre o processo de crescimento brasileiro?
TAMER CAVUSGIL – Nós notamos que o Brasil está muito bem, é o número 5 no ranking de países emergentes que fizemos aqui na Georgia State University. O País fez um ótimo progresso, construindo uma classe média e trabalhando para manter essa posição pelos próximos anos também. O governo fez a coisa certa, trabalhando sistematicamente pelo controle da economia, pela redução da pobreza, por uma geração de empregos consistente, melhor inclusive que a de outros países, e atuando para garantir o controle da inflação. Isso permitiu ao Brasil um lugar de destaque entre os emergentes.
DINHEIRO – De que forma é possível manter essa posição sem correr o risco de paralisar esse processo de crescimento da classe média?
CAVUSGIL – O que o Brasil precisa fazer nos próximos cinco ou dez anos, o que precisa acontecer para manter esse status, é investir mais em educação, garantindo uma formação significativa de novos talentos: mais engenheiros, pessoas de negócios, cientistas. É preciso, também, trabalhar para formar uma nova geração de empresários ou empreendedores. É preciso fazer como outros países, que também desenvolveram uma nova classe de empreendedores, e investir em mais infraestrutura para garantir melhor acesso à tecnologia, à comunicação. É necessário ainda propiciar um ambiente favorável para a criação de negócios, contribuindo para o desenvolvimento econômico. Há uma interessante pesquisa internacional que pergunta aos entrevistados de diferentes países, incluindo o Brasil, se eles acreditam ou não que trabalhar muito ajuda a chegar ao topo. O interessante é ver que os brasileiros ficaram em 83º lugar nesse ranking. Eles se mostram desconfiados da tese de que apenas trabalhar muito garante a alguém chegar ao topo. Sentem, talvez, que não terão recompensa se investirem num negócio próprio, não acreditam que possa ser bom. Isso é algo negativo.
DINHEIRO – Mas quais medidas ajudariam na formação de novos negócios?
CAVUSGIL – Acredito que a educação é um dos meios de promover esse ambiente e ainda instrumentos de tomada de risco para a criação de novos negócios, bem como a redução da burocracia governamental para dar mais condições à formação de empreendedores. Esse é o caminho certo para o Brasil. Hoje vocês ocupam uma posição baixa na pesquisa Doing Business, do Banco Mundial (127ª) em função do excesso de regulação e controles do governo que impedem a formação de novos negócios, além de taxas caras e excessivas.
DINHEIRO – Tanto o Brasil como outros países emergentes enriqueceram com a alta da cotação das comodities, que agora, com a crise, podem se desvalorizar. Isso não pode afetar o desempenho dessas economias?
CAVUSGIL – Mesmo que haja queda de preço das commodities, sejam minerais, de óleo, gás, elas não se tornarão tão baratas assim porque elas são limitadas. Por outro lado, os países emergentes vêm num processo de diversificação de suas economias, trabalhando para desenvolver produtos de alta qualidade, mais sofistificados. Isso acontece na área de serviços também, com crescimento de serviços bancários, consultorias, empresas de pesquisa de mercado, inclusive se internacionalizando.
DINHEIRO – O sr. acha que a ameaça de crise dos EUA e da Europa pode afetar o crescimento da classe média aqui, tanto no Brasil como em outros países emergentes?
CAVUSGIL – Há questões externas, como a ameaça de recessão global, dos EUA e da Europa, que estão fora do controle de outros países. O que acontece nos EUA é relevante para o Brasil, pois vocês são um dos maiores fornecedores de uma série de produtos para o mercado americano. Isso pode ter algum custo sim.
DINHEIRO – O sr. diz que dentro de dez anos teremos um bilhão de pessoas na chamada classe média. Quais critérios definem a classe média de um país que se assemelhem aos da classe média de outros?
CAVUSGIL – Bem, os critérios podem variar pelo tamanho da renda, tal como o critério do Banco Mundial, de US$ 10 a US$ 20 por dia. Mas o que determina um grupo a se tornar classe média é a distribuição de renda. Olhamos, por exemplo, 20% dos que ganham mais e 20% dos que vivem com menos, e assim temos os muito ricos e os muito pobres. Você pega esses 60% do meio e compara com outros países. E olha o quanto eles tiveram acesso a mais renda, se têm acesso a melhor educação, saúde, férias, produtos e serviços melhores.
DINHEIRO – Como as empresas brasileiras podem aproveitar esse processo de crescimento global da classe média nos próximos dez anos?
CAVUSGIL – As empresas do Brasil não devem se comparar às outras companhias brasileiras ou latino-americanas, mas devem se comparar às melhores em cada categoria no mundo. Em cada indústria há um líder global, e é preciso descobrir quem são seus competidores globais e aprender com eles e então trabalhar para evoluir e ser melhores ainda. Em outras palavras, não se pode mais considerar o mercado brasileiro ou latino, mas o mercado mundial.
DINHEIRO – Essa nova classe média global demanda também um novo tipo de profissional para as empresas?
CAVUSGIL – Essa nova economia requer habilidades específicas, profissionais cosmopolitas, que atuem em empresas multinacionais, que sejam fluentes em vários idiomas, que sejam bons negociadores, que não conheçam apenas superficialmente outros países, mas seu estilo de vida, sua cultura. Precisam ter uma inteligência global e ainda entender bem de tecnologia e mídias sociais.
DINHEIRO – Há outros países emergentes que podem ser oportunidades para exportações ou expansão para o Brasil. O que há além dos BRICs, hoje, como oportunidades de expansão?
CAVUSGIL – A América Latina, é claro, e a África, onde há oportunidades em infraestrutura, minério, recursos naturais. E não se pode desprezar o mercado dos Estados Unidos.
DINHEIRO – Mesmo com a crise atual que reduziu o consumo?
CAVUSGIL – Sim, mesmo na crise. Porque o mercado americano é menos protegido que outros, há consumidores sofisticados. Mesmo na recessão os Estados Unidos são um mercado aberto. Sim, não está crescendo tanto como a China ou a Índia, mas é um país rico. Veja, e o preço das propriedades, dos imóveis estão interessantes, tornando-se ativos atraentes para investidores internacionais. São prédios de escritórios, hotéis, terrenos para começar uma fábrica.
DINHEIRO – Depois da crise, em 2008, muitas companhias brasileiras foram comprar empresas em países desenvolvidos a preços mais interessantes. Com esse novo ciclo de crise também pode haver um novo processo de internacionalização de empresas brasileiras?
CAVUSGIL – Sim, sem dúvida. Há companhias estrangeiras vindo para cá comprar terrenos em cidades como San Diego, por exemplo, ou em Atlanta e Miami. E também há a oportunidade de compra de empresas americanas e europeias. É um outro modo de crescer, por fusões e aquisições, para empresas brasileiras.
DINHEIRO – O sr. tem chamado a atenção para o fato de que dentro de dez anos o mundo pode ter um bilhão de pessoas na classe média. O Brasil é um dos países que têm contribuído. Que tipo de produtos e serviços esse grupo tende a demandar?
CAVUSGIL – Educação e serviços de planos de saúde. Vão crescer muito e rápido. Nós estamos vivendo muito e vamos começar a demandar serviços de enfermaria domésticos, medicamentos, farmácias, etc. Aconteceu assim no México, na Turquia e na Malásia, por exemplo. O Brasil verá essa expansão também. E há ainda o turismo, pessoas vivendo mais têm mais tempo para gastar também, daí o turismo doméstico e internacional tende a crescer e muito. Em educação, há espaço para a formação de negócios, cursos de especialização, para pessoas mais velhas...
DINHEIRO – Hoje nós temos o bônus demográfico, com mais jovens que pessoas mais velhas, o que deve durar até mais ou menos 2020. O que acontecerá depois disso?
CAVUSGIL – Esse é o grande desafio, é o mesmo que acontece em outros países, como nos Estados Unidos...
DINHEIRO – Então essa década é definitiva para fazer as coisas certas em economia e não perder a oportunidade de consolidar uma economia mais forte?
CAVUSGIL – Sim. E tenham mais bebês (risos).
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