O mundo volátil dos perfumes, fixar-se num mercado extremamente competitivo, disputado por todas as grandes grifes de luxo, é um feito. Ainda mais para uma empresa que é uma espécie de estranha no ninho, como é o caso da francesa Hermès, cuja expertise mora no artesanato do couro, à frente suas bolsas famosas. Mas a marca vai muito bem, obrigado, no setor de perfumes. Do 1,3 bilhão de euros que o grupo faturou no primeiro semestre deste ano, cerca de 6% vieram da venda de suas fragrâncias — produtos que competem com as cobiçadas bolsas e outros produtos de couro da grife, os carros-chefes da Hermès, que também vende lenços de seda, peças de vestuário e joias. E isso lançando praticamente uma nova fragrância por ano. “Esse é um dos segredos do sucesso da nossa divisão”, disse Arnaud Beauduin, vice-presidente de perfumes da Hermès, com exclusividade à DINHEIRO. “Essa estratégia mantém a vocação para o exclusivo dos produtos da empresa.” Segundo Beauduin, a estratégia de se fixar num só produto evita a pulverização dos esforços de marketing, o que ajuda ainda mais a fixar a marca nos toucadores finos do mundo.
Foi justamente para apresentar um desses lançamentos, que a Hermès trata como se fosse peça única, que Beauduin esteve no Brasil nas últimas semanas de agosto. Ele veio escoltando o novo perfume da Hermessence Collection, o Iris Ukiyoé, de inspiração japonesa e floral. A linha de perfumes, que traz em seu nome a marca, é a mais exclusiva da empresa. Apresenta nove frascos, vendidos no Brasil a R$ 500 cada um, em embalagens de vidro de 100 ml, com tampa de couro, claro, tingido na cor representativa da fragrância. No caso da última, roxo. “Outra característica dessa linha é que seus aromas são todos unissex, pois a ideia é partilhar”, diz o executivo da Hermès. O novo representante da família Hermessence foi lançado na França no ano passado, mas só agora está chegando ao Brasil. “Queremos cada vez mais diminuir esse delay, que acaba levando o consumidor brasileiro a comprar mais no Exterior e nas multimarcas do que aqui”, diz Beauduin. “Queremos modificar isso.” Segundo ele, a nova linha vai ajudar nessa mudança de comportamento, uma vez que esses perfumes são vendidos somente na loja da marca, no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo.
Aromas democráticos: "Nossas fragrâncias não têm gênero. Podem ser partilhadas entre homens e mulheres",
diz o vice-presidente da divisão de perfumes da Hermès, Arnaud Beauduin
Não é à toa que a Hermès, há 60 anos lançando perfumes, está de olho no País. O mercado nas Américas foi o que mais cresceu nos últimos seis meses. “As vendas aumentaram 34%, mais que em qualquer outra região do mundo”, afirma o executivo. Ele assegurou que o grande lançamento da grife para 2011, o perfume Un Jardin sur Le Toit, que chegou às prateleiras europeias em maio e foi o principal responsável pelo crescimento de 18% da divisão neste ano, deve chegar por aqui no fim de setembro. Apesar de Beauduin ser o embaixador dos aromas da Hermès, seu grande mentor é o perfumista Jean-Claude Ellena, com passagens por marcas como Bulgari, Frederic Malle, Van Cleef e The Diferent Company, antes de se juntar à Hermès, em 2004. Ellena, 64 anos, combina as essências naturais que coleta todos os dias no jardim de sua casa, em Grasse, nos Alpes Marítimos, no sul da França, considerada a capital mundial do perfume. O frescor, por sinal, é a principal característica do trabalho do perfumista.
Outra é sua paixão pelas artes japonesas, como a ikebana (de arranjos florais) e os desenhos minimalistas do movimento artístico ukiyoé, focado em elementos da natureza e que inspirou a criação do último perfume da Hermessence Collection. “Tenho uma coleção dessas gravuras, que retratam as flores como se estivessem flutuando ao nosso redor, diz Ellena, referindo-se à sua última criação. “Foi essa característica que quis imprimir ao Iris Ukiyoé. Ele realmente conseguiu engarrafar essa magia. Seu novo perfume, com notas de íris (um tipo de orquídea), rosa e flor de laranjeira, mantém uma delicadeza que permanece o dia todo. Apesar dessa durabilidade, é uma fragrância que não deixa o famoso rastro, uma falha imperdoável num perfume que se pretende elegante. Ele e seus irmãos de coleção permanecem suaves no corpo até mesmo se usados à maneira francesa, ou seja, como se você tivesse tomado um banho de perfume.
O ilusionista da Hermès: Jean-Claude Ellena testa essências em sua casa, na Provença.
Ele dedica-se exclusivamente à marca francesa, desde 2004
O envolvimento de Ellena na criação de seus perfumes, das primeiras inspirações colhidas em seu jardim até o frasco chegar às prateleiras, traduz à perfeição o estilo que diferencia a Hermès de seus concorrentes na maior parte das categorias em que opera. Essa diferença foi mencionada recentemente por Pierre-Alexis Dumas, diretor de criação da grife, representante da sexta geração da família que há 174 anos controla a companhia. Na Hermès, disse Dumas, nada de terceirizar a criação de suas essências em grandes laboratórios independentes. A empresa prefere confiar tudo ao olfato e à originalidade de gente como Ellena. Da mesma forma, a marca fugiu da tentação de transferir para trabalhadores mal pagos da Ásia a confecção de suas bolsas, preferindo manter a tradição e entregar essa tarefa a artesãos que as costuram uma a uma, em suas oficinas, na França. “Isso é a força da Hermès”, disse Dumas.
A atenção aos detalhes e o culto à qualidade, sem concessões, constituem o que se poderia chamar de “cultura da Hermès” e a transformaram numa marca cobiçada no mundo do alto luxo, um mercado que movimenta US$ 200 bilhões por ano. Em 2010, o grupo faturou 2,4 bilhões de euros, o equivalente a US$ 3,4 bilhões, com um crescimento de 25% sobre 2009. Trata-se uma trajetória imune às turbulências da economia mundial. Mesmo nos piores momentos da crise financeira, a Hermès conseguiu crescer mais de 8% ao ano, como aconteceu em 2008 e 2009. Essa capacidade de sobreviver às intempéries econômicas explica a resistência da família controladora da maison do número 24, do exclusivo Faubourg Saint-Honoré, em Paris, ao assédio para vendê-la. Alvo dos ataques do LVMH, do empresário Bernard Arnault, a empresa vem se defendendo bravamente. “A Hermès é um modelo de negócios ímpar, completamente diferente da LVHM”, afirmou Patrick Thomas, o primeiro executivo de fora da família a comandar a empresa, ao The Wall Street Jornal. “Você manteria a marca e o nome, mas a Hermès estaria morta.”
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Prateleira perfumada
Abaixo, veja as principais características dos aromas da Hermessence Collection, definidas por seu criador, Jean-Claude Ellena
Rose Ikebana – combina o aroma da rosa com a raiz de ruibarbo. “Quis emprestar, da rosa, o frescor da primavera”
Vétiver Tonka – mistura o cheiro da fava tonka (originária de uma frondosa árvore colombiana) com o aroma da gramínea vetiver. “Aqui a principal inspiração foi a rusticidade do vetiver combinada com a doçura da semente tonka, que muitas vezes é usada para aromatizar alguns tipos de tabaco”
Poivre Samarcande – combina o perfume ocre da pimenta com o da avelã. “Inspirei-me nas caravanas de especiarias vindas da cidade de Samarcanda, no Uzbequistão, para criar essa fragrância”
Osmanthe Yunnan – harmoniza o aroma da flor de osmanthus, originária da Ásia e que lembra no formato o jasmim, com a flor do chá. “Tive a ideia de fazer esse perfume durante minha visita à Cidade Proibida, em Pequim, quando o aroma do osmanthus, que me faz lembrar damasco e frésia, me arrebatou”
Paprika Brasil – combinação do aroma da seiva do pau-brasil com a picante páprica. “Aqui, quis suavizar, através do aroma, a pujança desses dois elementos extremamente fortes e marcantes”
Brin de Réglisse – a essência é basicamente de lavanda. “Minha homenagem à principal paisagem da Provença, que é praticamente forrada por essa delicada flor roxa”
Vanille Galante – criação mais amadeirada da coleção, cujo nome define seu principal aroma, a fava de baunilha. “Procurei combinar o perfume da especiaria com madeira defumada, tabaco e chocolate”
Ambre Narguilé – mix do âmbar, importante ingrediente da perfumaria oriental, com o doce do mel e do tabaco. “É a lembrança que tenho dos aromas dos narguilés, usados para a degustação do tabaco aromatizado no Oriente Médio”
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