]Um tanto ranzinza, hábil em fazer inimizades e quase sempre vestido com uma camiseta amarrotada. Com esse retrato nada lisonjeiro, Mark Zuckerberg foi apresentado ao mundo no filme A Rede Social em 2010.
Provavelmente é dessa maneira que boa parte das pessoas ainda se lembra do jovem que criou a comunidade virtual mais poderosa do mundo quase por acaso, no início de 2004, num alojamento da Universidade Harvard. No começo, ninguém sabia muito bem — nem ele mesmo — como ganhar dinheiro com aquilo.
A despeito disso, Zuckerberg é hoje bem mais que um empreendedor acidental. Aos 27 anos, ele já é o mais jovem e o mais rico empresário da internet. Mais de 800 milhões de pessoas estão conectadas ao Facebook — se fosse um país, seria o terceiro mais populoso, depois da Índia e da China.
À frente dessa nação que não para de crescer, Zuckerberg se prepara para o maior IPO de uma empresa de internet na história, previsto para maio. Nas estimativas mais otimistas, o valor de mercado do Facebook poderá chegar a 100 bilhões de dólares.
Se isso acontecer, Zuckerberg ascenderá ao patamar dos dez empresários mais ricos do mundo, com uma fortuna de 28 bilhões de dólares. Tudo isso pode ajudar a entender por que o garoto mal-humorado retratado no filme agora pareça tão sorridente nas fotos.
É fato que, com a estreia na bolsa, ele não vai rir sozinho. A lista de quem deve levar uma bolada é longa. Um deles é Bono Vox, vocalista da banda irlandesa U2. Em 2009, Bono comprou uma participação que poderá valer até 1,5 bilhão de dólares. Outro é o dentista Edward Zuckerberg, pai de Mark, um dos primeiros a emprestar dinheiro (embora não se saiba quanto) à empresa do filho.
Zuckerberg pai tem uma fatia de cerca de 100 milhões de dólares — algo relativamente modesto nesse contexto. Nesse grupo diverso, está também o artista plástico David Choe, que em 2005 aceitou um lote de ações no valor de 60 000 dólares como pagamento pela pintura da primeira sede da empresa — hoje estimado em 200 milhões de dólares.
Antes de alcançar o pote de ouro, porém, todos terão de esperar alguns meses. Zuckerberg e seus executivos ainda terão de esclarecer eventuais dúvidas de representantes da SEC, órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários, e cortejar investidores. Em 2004, às vésperas do IPO, os executivos do Google patrocinaram um jantar para 800 convidados no hotel de luxo Waldorf Astoria, em Nova York.
Ainda não se sabe como Zuckerberg pretende fazer amigos no mercado de capitais — mas espera-se algo tão ou mais grandioso. “A estreia será disputadíssima”, diz Brad Silverberg, sócio da empresa de capital de risco Ignition.
Para quem não sabia muito bem como ganhar dinheiro, Zuckerberg aprendeu rápido. Segundo os dados divulgados, os anúncios responderam por 85% das receitas de 3,7 bilhões de dólares do Facebook em 2011. Com tanta gente conectada, a rede social se tornou um campo obrigatório para milhares de empresas.
De acordo com o Facebook, um anunciante atinge em média 65 milhões de consumidores nos Estados Unidos num dia típico, enquanto 29 milhões o veriam num intervalo da final do popular programa de calouros American Idol. Além disso, a rede permite algo inédito até então — que os próprios consumidores endossem o conteúdo dos anúncios.
“Se um amigo ‘curte’ um produto ou uma empresa, a mensagem pode se tornar mais persuasiva do que uma propaganda tradicional”, diz Catherine Tucker, professora de marketing da escola de negócios do MIT. Com esse apelo, o Facebook desbancou o Yahoo! no ano passado como líder de anúncios online nos Estados Unidos — com um terço de todo o mercado, de acordo com a consultoria comScore.
Além dos anúncios, empresas como a Procter & Gamble começam a testar a venda de produtos — desde lâminas de barbear até fraldas — em suas páginas na rede. Mas é dos jogos virtuais que vem boa parte das vendas de produtos. O mais popular é o FarmVille, da empresa Zynga.
Cada vez que alguém compra sementes ou uma ovelha virtual para compor sua própria fazenda no jogo online, o Facebook leva parte das receitas. Essas transações virtuais, para espanto de muitos, já representam 12% do faturamento do Facebook — ou mais de 400 milhões de dólares por ano.
Otimismo, muito otimismo
Boa parte da matemática para chegar ao valor de mercado de 100 bilhões de dólares não leva em conta o que já passou — e sim o que está por vir. É aí que se mede o otimismo em relação à empresa. No caso do Facebook, a expectativa é enorme — com um valor de mercado estimado em 100 vezes o lucro líquido em 2011.
Mas foi ainda maior no caso do Google, em que essa proporção chegou a 230 vezes. “A maior dificuldade será provar que o crescimento está no futuro, e não no retrovisor”, afirma Sachin Shah, analista da corretora Tullett Prebon. Há dois caminhos óbvios para Zuckerberg continuar sua expansão.
]O primeiro deles consiste em continuar aumentando a base de usuários. De acordo com a consultoria Boston Consulting Group, mais de 1 bilhão de pessoas passarão a usar a internet até 2016 — o contingente atual é de cerca de 2 bilhões. O segundo é tirar mais dinheiro de cada um dos usuários já existentes.
Por enquanto, apenas metade dos 845 milhões de pessoas conectadas ao Facebook acessa a rede todos os dias. Além de torná-las mais assíduas, a empresa pode rastrear o comportamento online dessa comunidade para direcionar a publicidade.
O Facebook consegue saber o que cada um de seus usuários já “curtiu” na rede ou em quais lugares já acionou o recurso de “check-in”, que permite compartilhar com amigos sua localização em determinado momento. “Há um vasto território inexplorado nesse sentido”, diz Catherine Tucker, do MIT.
Avançar em direção a essas informações valiosas pode ter um efeito colateral nefasto. O Google sofreu inúmeras críticas ao anunciar recentemente a intenção de rastrear as pegadas de cada cliente em todos os seus serviços na internet — do YouTube ao Gmail. O debate está em torno do limite do uso dessas informações — em tese, a empresa tem acesso até mesmo ao conteúdo de e-mails.
Em 2010, o Google já enfrentara polêmica ao criar a extinta rede social Google Buzz. Para iniciar uma rede do zero, mas já com algumas conexões, automaticamente cruzou a lista de contatos de quem tinha uma conta de e-mail no Gmail, em vez de deixar cada um montar livremente sua própria rede.
Foi um fiasco. No ano passado, o Google fez uma nova tentativa de criar um concorrente para o Facebook — e lançou o Google+, hoje com 90 milhões de usuários.
Até agora, Zuckerberg parece ter aprendido com os erros alheios. A palavra “privacidade” apareceu 35 vezes no documento entregue pela empresa à SEC. Ele parece saber que perder a confiança das pessoas pode ser fatal. Aí está um dos aspectos mais peculiares do Facebook.
Os usuários, de certa forma, são também o produto da rede social. Um produto com vontade própria, sobre a qual os executivos têm pouco ou nenhum controle.
]Ao adiar o quanto pôde a estreia na bolsa, Zuckerberg conseguiu se proteger temporariamente de pressões externas. “O Facebook enfrentará de uma só vez o desafio do crescimento acelerado e da abertura de capital”, diz Jon Fjeld, professor de comportamento organizacional na Universidade Duke.
Analistas já veem sinais concretos disso. Num efeito típico do crescimento acelerado, os custos da empresa já sobem num ritmo superior ao das vendas. Também causa preocupação a redução do ritmo de evolução do faturamento no último trimestre de 2011. As receitas cresceram 88% no acumulado do ano, mas “apenas” 55% entre outubro e dezembro.
“Não me parece claro como o Facebook pretende manter o ritmo intenso de expansão nos próximos anos”, diz David Sherman, professor de finanças da escola de negócios da Universidade Northeastern, em Boston.
Zuckerberg deu o recado de que não pretende sucumbir a pressões de curto prazo na carta entregue à SEC no dia 1º de fevereiro com o pedido de IPO. “Não construímos serviços para fazer dinheiro. Fazemos dinheiro para construir serviços melhores”, afirmou, antes de fazer uma apologia ao estilo de negócios que o trouxe até aqui.
Batizada de Hacker Way (algo como “O jeito hacker”), a manifestação máxima do estilo Facebook de ser está em competições internas chamadas de Hackatons, maratonas de programação em que funcionários varam a noite para criar novos produtos na sede, em Menlo Park, na Califórnia.
A experiência de outras companhias, porém, mostra que a regra do mercado costuma se impor. Os fundadores do Google, em eras mais remotas da internet, já se orgulharam de deixar que cada funcionário dedicasse 20% de seu tempo ao que bem entendesse e talvez ter uma ideia genial ao se afastar da rotina.
No ano passado, a empresa cedeu ao pragmatismo e fechou o Google Labs, onde os funcionários criavam protótipos livremente. A ordem agora é concentrar esforços no que pode trazer retorno imediato.
O trunfo de Zuckerberg é um lote de 57% das ações com poder de voto, suficiente para torná-lo menos suscetível ao humor de investidores insatisfeitos. “É semelhante ao que Bill Gates fez nos anos 80: adiou ao máximo o IPO e depois manteve uma boa parcela das ações para sofrer menos intervenções”, diz Silverberg, sócio da Ignition e ex-vice-presidente da Microsoft nos anos 90.
Os documentos do Facebook entregues à SEC não mencionam nenhum plano de sucessão à presidência, ocupada por Zuckerberg. Para ele, a história parece estar apenas começando. Resta saber até quando seus mais novos amigos vão gostar da brincadeira.
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