domingo, 2 de outubro de 2011

start-ups


Pieter Lekkerkerk é holandês. Davis Smith, Kimball Thomas e Alex Tabor, americanos. Já Olivier Grinda e Thibaud Lecuyer nasceram na terra da Torre Eiffel. Há também Max Reichel, Malte Horeyseck e Malte Huffmann, bem como Kai Schoppen e Florian Otto, todos alemães. Em comum, esses rapazes, em sua maioria na faixa dos 30 anos, trocaram seus países de origem pelo desejo de empreender no Brasil. Muitos deixaram sua terra natal – e carreiras promissoras lá - para morar e criar negócios na área de tecnologia no País. Na maior parte dos casos, eles apostam em projetos de comércio eletrônico, um mercado que se aproxima dos R$ 20 bilhões em faturamento no País e cresce a uma média de 40% ao ano. Mas há espaço também para atividades ligadas à internet móvel e a redes sociais. Apenas para citar alguns exemplos, estamos falando de empresas novatas – algumas já bem-sucedidas –, como o site de compras coletivas Peixe Urbano e a loja online de moda Dafiti, criadas por empreendedores estrangeiros no Brasil.

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Elas são protagonistas do capítulo mais recente e pouco visível de um novo boom de companhias digitais iniciantes – ou startups, como são chamadas no jargão da tecnologia –, algo que não se via desde o período anterior ao estouro da bolha pontocom, em 2000. Há, no entanto, três diferenças fundamentais em relação àquele período: dinheiro para abertura de negócios hoje não falta, o custo para começar uma start-up é bem menor se comparado ao de dez anos atrás e, algo impensável em outros tempos, os estrangeiros são responsáveis por boa parte dos empreendimentos lançados no mercado nacional. Além de atuar no campo digital e de contar com estrangeiros como sócios, entre outras semelhanças, o que essas start-ups têm em comum é o fato de serem movidas pelo “espírito de garagem”, algo muito comum no setor de tecnologia e que teve representantes ilustres ao longo do século passado. A HP e a Apple, por exemplo, são duas das mais tradicionais companhias do principal polo de tecnologia do mundo, o Vale do Silício, na Califórnia, que nasceram em pequenas garagens.
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Retaguarda - Os empresários internacionais chegam ao País apoiados por fundos de investimentos poderosos
Ter a pegada de “garageiro” significa nascer pequeno – às vezes literalmente em garagens, mas pode ser também no apartamento dos fundadores ou em pequenos escritórios –, ser ágil, informal, criativo e conectado. Os ventos para empresas assim nunca foram tão favoráveis no País, como demonstram dados do Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital da FGV-EAESP. Segundo pesquisas da instituição, o investimento estrangeiro em empresas brasileiras cresce velozmente. Em 2009, os ativos sob gestão no País chegaram a US$ 36 bilhões. Em 2004, eram apenas US$ 6 bilhões. Já o montante destinado às companhias iniciantes chegou a US$ 2,5 bilhões em 2009. “O maior pesadelo de todo investidor não é perder o dinheiro aplicado em uma start-up”, diz Patrick Kann, um dos brasileiros mais bem relacionados no Vale do Silício e que atua como investidor na incubadora de novas companhias Idealab. O grande receio, para Kann, é deixar passar uma grande oportunidade, é não ver o potencial de um negócio que bate à porta atrás de verbas. “E o Brasil é a bola da vez para os grandes fundos”, afirma Kann. “Ninguém quer ficar de fora.”
Esse cenário ajuda a entender por que quase todos os jovens empreendedores que vêm ao Brasil têm o apoio de fundos de investimento internacionais. A despeito da burocracia, do caos tributário e dos obstáculos conjunturais, como escassez de mão de obra qualificada, não faltam estrangeiros dispostos a construir uma história de sucesso no Brasil. A DINHEIRO reuniu alguns deles em uma garagem high tech em São Paulo na semana retrasada para ouvir suas histórias. Embora não houvesse ingleses no grupo, a pontualidade foi britânica, enquanto a descontração foi ao melhor estilo brasileiro. O jeitão informal, aliás, é uma das características de um dos mais bem-sucedidos do grupo de empreendedores internacionais da área digital no Brasil: o americano Alex Tabor, um dos sócios do site de compras coletivas Peixe Urbano. Ele é o mais “brasileiro” da turma de gringos e o que há mais tempo vive por aqui – oito anos. Tabor conheceu Julio Vasconcelos, seu sócio e CEO do Peixe Urbano, em um voo entre o Rio de Janeiro e São Francisco, na Califórnia, em meados da década passada. Eles montaram o site, ao lado do terceiro sócio, Emerson Andrade, em março do ano passado. “Foi uma daquelas felizes coincidências do destino”, diz Vasconcelos, sobre Tabor.
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Filho de mãe brasileira e pai americano, Tabor veio ao Brasil pela primeira vez ainda criança. Por causa dos pais, na infância e adolescência ele viveu em países como Paquistão, Indonésia e Índia, além dos EUA, onde se formou em ciências da computação pela University of Southern California. “O Brasil é o primeiro país que escolhi para viver”, diz Tabor, que fala fluentemente o português, embora deixe escapar um leve sotaque inglês. Nos primeiros tempos do Peixe Urbano, ele fazia a função de atendente de SAC do site. “Meu celular tocava o dia todo”, afirma. “Alguns usuários devem ter gravado meu número, pois até alguns meses atrás eu ainda recebia telefonemas de clientes.” Ser um faz-tudo estava no rol de tarefas numa start-up que nasceu no apartamento dos próprios fundadores. Atualmente, o americano comanda uma equipe de cerca de 50 pessoas, entre programadores, técnicos e desenvolvedores. A expansão veio rapidamente porque o Peixe Urbano foi o precursor do serviço de compras coletivas no País, um segmento que bombou em poucos meses. A empresa introduziu uma nova forma de consumo por aqui e, de quebra, abriu a porteira para mais de mil concorrentes.
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Hoje, a companhia é uma das marcas mais conhecidas da web brasileira e tem mais de 13 milhões de usuários. O Peixe Urbano já vendeu cerca de nove milhões de cupons e tem aproximadamente 900 funcionários, espalhados por mais de 80 cidades no Brasil e em filiais na Argentina e no México. O faturamento estimado no primeiro ano de mercado foi de R$ 110 milhões. O principal rival do Peixe Urbano, o site americano Groupon, pioneiro e maior competidor do setor de compras coletivas do mundo, também tem como sócio-fundador da sua operação brasileira um estrangeiro. Trata-se do alemão Florian Otto, 31 anos, “médico de formação e geek por paixão”, como ele mesmo se define – geek é uma forma de se referir a um aficionado da tecnologia. Ele veio ao Brasil pela primeira vez em 2004, para fazer um intercâmbio na área de medicina. Viajou por muitas cidades do País e trabalhou em um hospital em Salvador. Ficou fascinado. Nos anos que se seguiram, Otto voltou algumas vezes para realizar trabalhos comunitários em hospitais públicos. Sua vida profissional começou a tomar novos contornos em meados de 2008, quando foi contratado pela consultoria McKinsey para atuar em projetos no setor de saúde na Alemanha.
O ingresso no mundo online se deu em grande estilo: em 2010, ele foi convidado a trabalhar para a Rocket Internet, uma incubadora alemã de novos negócios digitais. A companhia havia montado, em janeiro do ano passado, o clone alemão do Groupon, o CityDeal. Assim, Otto fundou o Clube Urbano no Brasil, em junho, com o apoio da Rocket. Um mês antes, o Groupon havia adquirido o CityDeal e tornou a Rocket dona de uma participação de cerca de 10% na empresa, avaliada hoje em US$ 15 bilhões. Pouco tempo depois, o Clube Urbano foi rebatizado para Groupon. “Sempre quis empreender”, diz Otto. O começo de sua experiência como empresário no Brasil foi “incrivelmente caótico”. Novos funcionários chegavam quase diariamente para suprir a demanda da operação, que não parava de crescer. “Atravessamos muitas noites trabalhando, mas foi um período muito rico”, diz. A operação brasileira tem hoje mais de 15 milhões de usuários cadastrados e 500 funcionários.
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O exemplo de Otto, que também atua como investidor em novas start-ups nacionais, ilustra bem a relação dos grandes fundos do mundo com o País. “Não falta pessoal interessado em investir no Brasil, assim como tampouco há escassez de brasileiros dispostos a empreender”, afirma o brasileiro Amit Garg, investidor do fundo Norwest Venture Partners, do Vale do Silício. O fundo gerencia uma verba de mais de US$ 3,7 bilhões. “O que falta são pessoas que os fundos conheçam e confiem no Brasil.” Como se não bastasse, a quantidade de fontes que concedem verba está se ampliando. “A tendência é que surjam novos investidores-anjo no curto prazo”, disse ao jornal Valor Econômico Leslie Charm, professor de finanças para empreendedores do Babson College, nos Estados Unidos. O contato mais próximo com esse tipo de investidor e os fundos internacionais é uma das vantagens que os empresários digitais de outros países têm. Quando um desses jovens apresenta um bom projeto destinado ao País para uma empresa de venture capital nos EUA ou Europa, a chance de aprovação é grande.
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Essa é basicamente a história por trás de muitas start-ups montadas por estrangeiros no Brasil, como as lojas virtuais Baby, Shoes4You e Dafiti, além do Peixe Urbano. É um sinal de fortalecimento do mercado tecnológico nacional, que agora se mostra capaz de seduzir talentos – e recursos – internacionais. “Replicar modelos de negócios bem-sucedidos em outros países faz parte do processo de amadurecimento da indústria digital no País”, diz a brasileira Bedy Yang, fundadora do Brazil Innovators, grupo criado para aproximar start-ups do País e empreendedores estrangeiros. É fácil entender os motivos para tanto interesse pelo mercado brasileiro. A pujança da economia, a ascensão de uma nova classe média, a pequena competição no setor digital e a crise nos EUA e Europa tornaram o Brasil o novo paraíso das start-ups. Além disso, o apreço dos internautas brasileiros pelas redes sociais e a popularização da banda larga e da internet móvel descortinam um horizonte de oportunidades nos setores de tecnologia e internet.
São fatores como esses que fizeram o francês Olivier Grinda, 26 anos, fincar raízes no País, onde vive há três anos. Grinda é cofundador e CEO da Shoes4You, loja virtual que vai vender sapatos de sua marca para mulheres por meio de assinatura mensal a partir deste mês. Grinda se formou pela Universidade de Miami, nos Estados Unidos. Ele veio para o País convidado por um investidor alemão para ser um dos fundadores do Brandsclub, um clube de compras online nacional, em 2009. A ideia de montar a Shoes4You surgiu da observação dos hábitos de consumo das brasileiras, em especial de sua namorada. “Quando comprei meu apartamento aqui, achei o armário embutido do quarto muito, mas muito grande mesmo”, afirma Grinda. Sua namorada teve outra impressão. “Onde vou guardar meus sapatos?”, perguntou a moça na ocasião, inconformada com a falta de espaço. Foi então que Grinda teve o clique: poderia haver um negócio aí.
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A ideia começou a ficar mais clara quando ele se lembrou do sucesso da Shoedazzle, responsável pela criação do modelo de assinatura de sapatos, bolsas e acessórios femininos nos Estados Unidos. Com sede em São Paulo, a Shoes4You funciona da seguinte maneira: por uma mensalidade de R$ 140, as consumidoras poderão escolher, pelo site, um par de sapatos por mês. O negócio ainda dá os primeiros passos, mas o francês sabe exatamente aonde quer chegar. Sua meta mais ambiciosa é abrir o capital até o final de 2015. “Se a Arezzo fez seu IPO e captou mais de R$ 500 milhões, nós também podemos”, afirma. Para atingir seus objetivos, Grinda reuniu um time reforçado de investidores, como a Accel Partners, que tem participações em empresas como Facebook e Groupon; a Redpoint Ventures, investidora da Netflix; e o espanhol IG Expansion, controladora do site brasileiro Viajenet. Aos olhos dos investidores, não havia razões para titubear no apoio a um projeto como o da Shoes4You. “Rapidamente, o Brasil está se tornando um dos mercados mais importantes para nós”, diz Kevin Efrusy, sócio da Accel, que mantém mais de US$ 6 bilhões sob sua gestão.
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Assim como Grinda, o alemão Kai Schoppen, 31 anos, veio trabalhar no Brasil a convite. No seu caso, a proposta foi do fundo europeu Trayas, um dos sócios do Brandsclub. “Foi um desafio muito interessante”, diz Schoppen, CEO do Brandsclub. “De onde venho, na Alemanha, o comércio eletrônico já é bastante desenvolvido. Aqui, ainda há muito a fazer.” O holandês Pieter Lekkerkerk, 36 anos, também foi atraído para o Brasil pela chance de explorar nichos nascentes do mercado digital, mas o bom ambiente econômico e cultural do País foi decisivo. “Sem dúvida, dos países do Bric, o Brasil é o mais receptivo”, diz Lekkerkerk. Ele é cofundador da corretora de seguros online Escolher Seguro, com foco no consumidor emergente. O serviço permite fazer cotação online e receber a resposta de pelo menos cinco seguradoras diferentes em 24 horas. Lekkerkerk, que trocou seu emprego na consultoria McKinsey para desbravar esse setor na web, espera faturar R$ 3 milhões já no ano que vem.
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O alemão Max Reichel, por sua vez, teve a ideia de montar a start-up OPPA, uma loja virtual de móveis, depois de ficar assustado com o preço dos produtos desse segmento no Brasil. “O design deve ser acessível para todos”, afirma Reichel, que mora há 15 meses no País e ainda tem dificuldade para se expressar em português. Com verba da Monashees Capital, sua loja deve começar a operar em novembro. É certo que o momento econômico do País, aliado ao fato de que o consumidor brasileiro a cada dia se torna mais digital, facilita a vida de quem desembarca por aqui para empreender. Mas o sucesso nos negócios depende da adaptação cultural, a começar pelo idioma. Esse foi o batismo de fogo vivido pelo americano Kimball Thomas, 32 anos, cofundador da Baby, que vai começar a operação ainda em outubro. Ao chegar ao País, há poucos meses, ele estudava português durante oito horas por dia. Recentemente, reduziu o tempo diário de aulas para “apenas” quatro horas. Thomas já se comunica razoavelmente, mas ainda não é fluente no idioma. “Ele foi aconselhado a diminuir o tempo de estudo para não fundir o cérebro”, brinca Alex Tabor, do Peixe Urbano.
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Mas seu compatriota Davis Smith, 33 anos, primo de Thomas e seu sócio na Baby, diz saber muito bem o que representa o domínio do idioma local. “Se você quiser empreender e ser bem-sucedido aqui, tem de falar português”, diz Smith. Além da camaradagem entre seus sócios, a Baby e o Peixe Urbano compartilham recursos de dois fundos de investimento: o americano Tiger Global Management, que tem participação na Zynga e na Netshoes, e o brasileiro Monashees Capital. A gestação da Baby começou há alguns anos, quando os sócios ouviram de um colega brasileiro que os produtos para bebês e crianças pequenas eram extremamente caros no Brasil. Além disso, tratava-se de um setor fragmentado e sem nenhum competidor destacado. Thomas havia sentido na pele essa realidade durante uma viagem de férias ao Rio de Janeiro. Ele precisou visitar três lojas até encontrar a fralda no tamanho certo para o seu filho. A maior surpresa veio mesmo quando ficaram sabendo que gestantes brasileiras viajavam a Miami para comprar berços, carrinhos e até todo o enxoval do seu futuro bebê. “De acordo com dados do Banco Mundial, todos os anos nascem três milhões de crianças no Brasil”, diz Thomas.
Estava aí o estímulo que faltava para que ele e Smith decidissem desbravar esse mercado. E vieram com uma retaguarda poderosa. Além da Monashees Capital e da Tiger Global Management, os sócios receberam aporte do investidor-anjo americano Ron Conway, que já aplicou no Google e no PayPal, entre outros. Para seduzir profissionais qualificados para áreas-chave da empresa, os fundadores oferecem parte na sociedade. Essa é uma prática comum no Vale que agora eles trazem para o mercado nacional. No caso da loja virtual Dafiti, por sua vez, a fórmula adotada também é a da parceria entre sócio nacional e estrangeiros. Fundada em janeiro, a empresa tem como fundadores o brasileiro Philipp Povel, o francês Thibaud Lecuyer e os alemães Malte Horeyseck e Malte Huffmann, todos com passagens por escolas renomadas no currículo – Harvard, por exemplo – e experiência profissional em bancos, como o JP Morgan, e consultorias internacionais. Povel e Huffmann sabem bem o caminho das pedras para ter sucesso no mercado digital.
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Em 2009, eles fundaram o site MyBrands, na Alemanha. A empresa logo chamou a atenção da Zalando, uma das maiores companhias do setor digital de moda na Europa, que comprou a start-up da dupla no ano passado. Desde então, eles planejavam montar um negócio similar no Brasil. A Dafiti surgiu especializada em sapatos femininos, mas agora já comercializa artigos para homens e crianças, além de acessórios, bolsas e roupas. Atualmente, são mais de 8,5 mil produtos diferentes, e a meta é superar os 25 mil até o final do ano. “Nesse tempo em que estou no País, sinto que ainda há alguma aversão por parte dos jovens a criar empresas”, diz Lecuyer. “As escolas e as universidades deveriam ensinar mais sobre empreendedorismo.” Não há dúvida de que esse seria um caminho eficiente para acelerar ainda mais o desenvolvimento do mercado digital brasileiro. Em todo caso, a experiência no País de gente como Lecuyer; Tabor, do Peixe Urbano; Grinda, da Shoes4You; e Smith, da Baby, entre outros, demonstra que os empreendedores internacionais colocaram de vez o Brasil na rota mundial das start-ups.

O homem de US$ 410 bilhões

Gao Xiqing, do China Investment Corporation, rejeita o papel de salvador da Europa e prefere o Brasil.

Por Tatiana BAUTZER, enviada especial a Washington

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Ninguém foi mais assediado que o executivo chinês Gao Xiqing durante a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington. Não era para menos, nestes tempos de crise brava. Presidente do gigantesco fundo soberano China Investment Corporation (CIC), Xiqing administra um patrimônio de nada menos que US$ 410 bilhões e vem sendo cortejado há meses por autoridades europeias para comprar títulos de países com problemas para encontrar financiamento, como Itália, Grécia e Portugal. O governo da Itália, por exemplo, negociou com o fundo soberano chinês durante todo o mês de setembro. A tentativa de vender um grande lote de títulos públicos mobilizou o primeiro escalão do governo italiano, do ministro das Finanças, Giulio Tremonti, ao chefe do Tesouro, Vitorio Grilli, e incluiu missões de negociação em Pequim e Roma. Durante o encontro do FMI, porém, Xiqing jogou um balde de água fria nas expectativas de que os chineses usem seus bilhões para resgatar países em dificuldades.

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Cavaleiro branco: o presidente do fundo soberano chinês é abordado por governos europeus com dificuldades para financiar as dívidas

Em um seminário a que estavam presentes o megainvestidor George Soros e o comissário para Assuntos Econômicos e Monetários da União Europeia, Olli Rehn, Xiqing reagiu rápido a uma pergunta sobre possíveis aquisições de títulos públicos rejeitados pelo mercado. ''Não somos salvadores, primeiro temos de salvar a nós mesmos'', disparou, provocando risos nervosos na plateia. Xiqing, que fala um inglês praticamente sem sotaque e é formado em direito pela Duke University, uma universidade de elite nos Estados Unidos, explicou pacientemente que precisa se preocupar com a rentabilidade de seus investimentos. No ano passado, a carteira do fundo soberano chinês rendeu 11,7%, um salto em relação a anos anteriores. O desafio de Xiqing é manter esse desempenho de maneira consistente. ''Somos abordados por vários governos o tempo todo'', disse Xiqing à DINHEIRO, no intervalo de uma das inúmeras reuniões com interessados em captar uma fatia de seu dinheiro.

O executivo afirma que ainda está avaliando se vai ou não comprar os papéis italianos. O fundo soberano chinês, criado há apenas quatro anos, não é visto como um ''cavaleiro branco'' por acaso. Seus recursos foram providenciais durante a crise americana, em 2008. O CIC já havia adquirido 10% do capital do banco de investimentos Morgan Stanley por US$ 5 bilhões, em 2007, e voltou a injetar recursos na instituição dois anos depois. O investimento de US$ 1,2 bilhão em 2009 ajudou a acalmar o nervosismo dos investidores em torno da sobrevivência da instituição. Os chineses também detêm uma participação no fundo de private equity americano Blackstone. No entanto, os prejuízos sofridos com a crise fizeram o CIC rever sua estratégia. Desde o ano passado, Xiqing tem a missão de investir mais em países emergentes, principalmente na América Latina e África, e privilegiar aplicações em infraestrutura, em imóveis e em empresas vinculadas a commodities.
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Por isso, enquanto rejeita o papel de salvador europeu, Xiqing fala do Brasil com muito entusiasmo. ''Temos uma visão muito positiva da economia brasileira e queremos investir mais no País'', diz.Discreto, ele não revela em quais alvos está mirando. O fundo não divulga detalhes de suas aplicações, mas sabe-se que possui uma participação na Vale e também uma fatia do banco de investimentos BTG Pactual. O fundo soberano entrou num consórcio de investidores asiáticos que comprou 18% do banco de André Esteves por US$ 1,8 bilhão no fim do ano passado - sua fatia é de 3%, comprada por US$ 300 milhões. O CIC também investe indiretamente em energia, logística e transportes no País. Tem uma participação de 15% no Noble Group, um dos maiores negociantes de commodities do mundo, sediado em Hong Kong, com investimentos diversificados no Brasil.
Em seu portfólio estão usinas de açúcar e álcool em São Paulo, armazéns nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul, um terminal de exportação de açúcar e grãos no porto de Santos, além de uma esmagadora de soja para produção de biodiesel em construção em Mato Grosso. Apesar do entusiasmo com o Brasil, Xiqing reclamou da regulamentação sobre investimentos estrangeiros no País. ''As regras não são muito justas com os estrangeiros e mudam a toda hora'', afirma. Mesmo assim, o País poderá sediar o primeiro escritório de representação do CIC na América Latina, cuja instalação, a médio prazo, está em fase de estudos. Seria a terceira embaixada do gigante financeiro chinês: o CIC só possui dois escritórios fora da China, um em Hong Kong e outro em Toronto, no Canadá, onde fez grandes investimentos em prospecção de petróleo.

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