sábado, 12 de novembro de 2011

A corrupção privada e Estatal

A corrupção é a maior barreira para o crescimento"

Em 2001, o economista esteve no Brasil para o lançamento mundial do Pacto Global da ONU. Desde então, ele vem pregando que o sucesso das empresas depende não só de sua lucratividade.

Por Guilherme QUEIROZ


Em 2001, o economista alemão Georg Kell esteve no Brasil para o lançamento mundial do Pacto Global da ONU, o embrião de uma rede mundial de responsabilidade corporativa. Desde então, ele vem pregando que o sucesso das empresas depende não só de sua lucratividade, mas também da capacidade de ganhar dinheiro e ao mesmo tempo agir com responsabilidade social. “Não há como sustentar o sucesso negligenciando temas não financeiros”, afirma Kell, lembrando o movimento Ocupem Wall Street, contra os desmandos do sistema financeiro. “Cedo ou tarde, a reação chega.” Com 2,4 mil empresas associadas, espalhadas por 80 países, o Pacto vive seu melhor momento, disseminando experiências de boa gestão ambiental e ética. A luta contra a corrupção está entre as principais bandeiras das 34 empresas brasileiras da rede – entre elas Bradesco, Itaú e Natura. “Há um despertar entre as empresas do Brasil, principalmente por muitas estarem fartas de pagar pedágios a governos”, afirma.


DINHEIRO – O que o Pacto Global oferece para as empresas que integram a sua rede?
GEORG KELL – O Pacto Global oferece um conjunto de valores sobre direitos humanos, relações trabalhistas, meio ambiente e governança, que devem ser seguidos pelas empresas. A vantagem é que está baseado em princípios universais reconhecidos em todo o mundo. O Pacto é único devido ao seu alcance global, por estar em todos os continentes. Atualmente, com um mundo corporativo integrado numa cadeia de valores, não se pode mais ignorar questões ambientais, sociais e de governança. Isso torna difícil a construção de uma boa marca, eleva os custos e impede que sejam atraídos os talentos necessários para que a empresa se torne competitiva.

DINHEIRO – Por se tratar de valores universais, não é algo que toda empresa deveria promover, mesmo estando fora do Pacto Global?
KELL – Os princípios são universais, mas nem todas as empresas os têm entre seus valores. O Pacto é uma plataforma de liderança e nós acolhemos as empresas com a condição de que seus CEOs abracem esses princípios e os compartilhem com seus funcionários. No caso de companhias de capital aberto, esperamos que o conselho de administração os aprove. É preciso incluí-los na cultura corporativa. Se a sua companhia tem uma grande cadeia de fornecedores, você precisa demonstrar liderança no topo e deixar claro que a ética nos negócios e a boa gestão são parte da cultura corporativa.
DINHEIRO – Como se dá a inclusão desses valores na cultura corporativa?
KELL – Na verdade, não é tão simples assim integrá-los à operação da empresa. Se ela funciona num ambiente político corrupto, como lidar com isso numa política de tolerância zero? Como difundir isso na cadeia de fornecedores? Se o seu fornecedor recorre a trabalho infantil, você o exclui ou busca partilhar conhecimento e capacitá-lo? Então há muitos passos a ser tomados e o Pacto Global oferece uma metodologia e um referencial global de boas práticas que evoluem ao longo do tempo.
DINHEIRO – Empresas que não adotam princípios éticos e socioambientais terão mais dificuldade para competir no futuro próximo?
KELL – Acredito que, mais cedo do que tarde, provavelmente em três anos, os papéis de empresas adeptas do Pacto terão um bônus em seu valor, em diversos mercados financeiros do mundo. Já temos uma iniciativa importante para o mercado financeiro – o PRI (sigla para Princípios de Investimento Responsável, em inglês) – que conta com 800 grandes investidores e uma carteira de US$ 25 trilhões. Eles já começaram a se tornar referência na avaliação do desempenho das empresas nas áreas social, ambiental e ética.
DINHEIRO – Como esse movimento se insere num ambiente de ressentimento contra o mercado financeiro, presente desde a crise financeira de 2008?
KELL – Ganhamos impulso depois da crise de 2008. Antes disso, tínhamos dificuldades. Os executivos não se preocupavam tanto com a administração de riscos. Eles davam mais atenção à conquista do maior lucro no menor prazo. A persistência da crise ampliou a procura pelo Pacto.
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Protesto do movimento Ocupem Wall Street, em Nova York
DINHEIRO – Hoje as empresas que adotam esses valores já se beneficiam?
KELL – Em pouco tempo, a sustentabilidade corporativa e o sucesso da empresa andarão de mãos dadas. Fizemos grandes estudos com o Goldman Sachs sobre a máxima “Quem se importa vence” e 12 setores globais da economia com centenas de empresas concordam com essa afirmação. Não há dúvida de que as companhias que buscam liderança mundial só a alcançarão se forem boas na gestão de questões socioambientais. Não há como sustentar o sucesso corporativo negligenciando temas não financeiros. Cedo ou tarde, a reação chega.
DINHEIRO – Movimentos como o Ocupem Wall Street são um exemplo dessa reação?
KELL – Acho o Ocupem Wall Street mais profundo. Ele resulta da desigualdade, da negligência das questões sociais em geral, dos repetidos equívocos do mercado financeiro e por eles não terem sido responsabilizados por seus atos. O desemprego acima de 9% nos Estados Unidos, um país que não está acostumado com uma taxa dessa magnitude, é uma questão séria. Considere também o fato de que os países da OCDE empobreceram nos últimos anos. Quando há um encolhimento das classes médias, há uma
reação social.
DINHEIRO – Que motivos uma empresa brasileira teria para aderir ao Pacto?
KELL – As empresas brasileiras descobriram que, se o País cresce como um todo, elas também crescem. O lado positivo de ampliar e construir mercados é bem compreendido no Brasil e em outros países em desenvolvimento. Temos o interesse em investir em educação, em sermos gestores do meio ambiente, em melhorar as cidades, o transporte público e a infraestrutura. Temos interesse em recusar a corrupção, pois ela impõe um custo. Então, as razões corporativas para envolvimento são muito fortes no Brasil.
DINHEIRO – O Brasil tem assistido a protestos contra a corrupção como não se via há muitos anos. Como o Pacto pode disseminar essa cultura anticorrupção?
KELL – Tendo visitado muitos países, constatei que a corrupção e o abuso do poder para proveito próprio são a maior barreira para o crescimento. Estou feliz de constatar que há um despertar entre as empresas contra os desmandos, pois muitas estão fartas de pagar pedágios a governos. A boa notícia é que o custo econômico da corrupção se tornou mais conhecido. Muitos estudos mostram como a corrupção atrasa o crescimento, mina o sucesso corporativo e erode a competitividade das empresas. Atualmente se sabe que a corrupção é uma doença sistêmica que precisa ser extirpada. Felizmente, há uma mudança em curso nas companhias.
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Loja da Walmart no Brasil
DINHEIRO – Há iniciativas no Brasil nesse sentido?
KELL – Mundo afora há um movimento, inclusive no Brasil, chamado de Collective Action ou Ação Coletiva. É preciso entender que, do lado corporativo, é muito difícil ser contra a corrupção quando todos compactuam com ela. De fato, a empresa sai perdendo. Como superar, então, o dilema do prisioneiro? Coordenando uma ação conjunta com todos se movendo na mesma direção ao mesmo tempo. É possível transformar essa situação muito rapidamente, com o apoio de instituições públicas. Estamos auxiliando diversas iniciativas contra a corrupção com empresas locais e multinacionais. Um exemplo é o projeto Jogos Limpos para a Copa do Mundo e Olimpíada, promovido pelo Instituto Ethos com empresas privadas.
DINHEIRO – Nos dez anos do Pacto Global no Brasil, há experiências locais que foram copiadas em outras partes do mundo?
KELL – Há muito intercâmbio e o Brasil tem se mostrado uma referência no mercado financeiro. Na área de biodiversidade e gestão ambiental, há muitos exemplos que são reproduzidos. A capacidade de grandes grupos de engajar sua cadeia de fornecedores em políticas responsáveis também inspirou nossos integrantes. Não quero dar nomes às companhias, mas as empresas brasileiras desde cedo compreenderam que é preciso fortalecer sua rede de fornecedores, em vez de enfraquecê-la, como fazem muitas companhias europeias. Evitar, por exemplo, o efeito Walmart (que espreme seus fornecedores a ponto de eles terem de mudar suas fábricas para países com custos de produção menores).
DINHEIRO – O Pacto Global tem defendido investimentos responsáveis no mercado futuro de commodities como forma de evitar choques nos preços, como os dos últimos anos.
KELL – O crescimento da classe média ao redor do mundo, o aumento da demanda, isso afeta todo o espectro da formação de preços das commodities. Tudo que é produzido pela natureza está sendo precificado e se trata de uma tendência de longo prazo. Então há cada vez mais questionamentos sobre como o mercado financeiro afeta a segurança do abastecimento e a gestão dos recursos naturais. Há o aspecto de venda de terras para estrangeiros: há países que arrendaram porções enormes para outros governos, por até 100 anos, sem consultar seu povo. É uma bomba relógio.
DINHEIRO – Como isso afeta o Brasil, o segundo maior produtor agrícola do mundo, sabendo-se que o País se beneficia das altas cotações via balança comercial?
KELL – De fato, a agricultura está no DNA do Brasil e a natureza foi generosa com ele. Já foi dada a largada e muitos observam como o País vai gerir os seus recursos naturais. É uma nação soberana que deu exemplos, mas precisamos analisar se o modelo privilegia a exploração para ganhos a curto prazo ou se há um planejamento de longo prazo para o uso sustentável desses recursos pelas próximas gerações. Temos uma ótima oportunidade para desenvolver modelos de exploração sustentável.

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